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PRECISA-SE LEAN

Por José Roberto Ferro *

O Brasil fechou o ano com o menor desemprego da história.

E mesmo com a recente redução das taxas de crescimento do PIB, o nível de emprego brasileiro continua elevado e tende a se manter assim para os próximos meses.

Com isso, continuam a proliferar placas e anúncios de “procura-se” nas diversas regiões do país, nos mais variados setores da economia.

Esse cenário tem gerado o incomum fenômeno da escassez de mão-de-obra, principalmente de pessoal experiente e qualificado.

O problema é que isso pode impactar seriamente empresas com sistemas de gestão tradicionais, que dificilmente conseguem aumentar a produção sem contratar mais pessoal.

A boa notícia é que empresas que adotam o Sistema Lean – filosofia de gestão inspirada no modelo Toyota – não precisam necessariamente contratar mais gente para só assim poder crescer.

É que o Sistema Lean dispõe de uma série de “ferramentas” de gestão que visam, justamente, criar as condições para fazer a empresa “produzir mais com menos”.

Por exemplo, a ferramenta Lean de “Trabalho Padronizado”, que, ao definir uma sequência clara para as atividades produtivas, ajuda a eliminar os desperdícios em cada trabalho individual e, com isso, consegue aumentar a quantidade de agregação de valor, produzindo-se mais com menos horas de trabalho.

Conceito similar a esse foi utilizado, por exemplo, durante a 2a Guerra Mundial, quando a falta de mão-de-obra nos Estados Unidos deu origem ao bem-sucedido programa de treinamentos chamado de TWI (Training Within Industry).

Consiste basicamente na padronização do trabalho, meio utilizado para facilitar e agilizar a aquisição do conhecimento necessário para os trabalhadores atuarem em suas funções de forma mais produtiva e com menos desperdícios.

Mas muito embora tal conceito não seja novo, a produtividade do trabalho no Brasil continua sendo, ainda hoje, muito menor do que em países de similar estágio de desenvolvimento econômico. Isso ocorre porque boa parte das empresas que atuam no Brasil, em particular as médias e pequenas, não adotam ou não fortalecem o "trabalho padronizado" de seus colaboradores. Erram ao valorizar muito mais suas máquinas do que o seu pessoal.

Além do trabalho padronizado, há outras “ferramentas” eficazes no Sistema Lean que contribuem para minimizar a carência de mão-de-obra. Por exemplo, as "automações de pequeno custo" (principalmente para facilitar a carga e a descarga de matéria-prima). Ou então a utilização de dispositivos que na cultura Lean se denomina "à prova de erros", que são pensados para parar o processo produtivo quando surgem anormalidades.

Tais ferramentas ajudam a liberar mão-de-obra, resultando em mais tempo livre para os trabalhadores desempenharem outras funções.

Demais iniciativas, como o “mapeamento de fluxo de valor”, a “estabilidade básica” e a adoção do “sistema puxado” - no qual a quantidade da produção, como o nome diz, é "puxada" pela demanda e não pela "oferta" (sendo essa última o modelo da maioria das empresas tradicionais, que adotam o modelo "empurrado") - também contribuem para o aumento da produtividade sem se necessitar de mais pessoal.

Ou a “matriz de qualificação”, um processo de gestão que define em detalhes as habilidades necessárias e reais de cada trabalhador por processo que necessita realizar. Isso contribui para a absorção mais fácil de novos contingentes de pessoas, mesmo que menos preparadas em experiência e educação formal. Com isso, as pessoas podem assim dividir funções e atividades na empresa, aumentando a flexibilidade na gestão da mão-de-obra.

Mas além dessas - e tantas outras! - ferramentas que proporcionam à empresa a capacidade de fazer mais com menos, o Sistema Lean também detém práticas que podem ajudar num outro problema que as empresas brasileiras estão enfrentando no atual estágio de quase pleno emprego da economia brasileira: a necessidade de reter os talentos da empresa, evitando a “evasão” de pessoal.

Trata-se dos conceitos Lean de "desenvolvimento e envolvimento dos colaboradores", para que assim se sintam valorizados e estimulados a crescerem dentro da empresa. Por exemplo, o “Plano para Cada Pessoa”. Junto com os processos de coaching e “mentoria” pelo uso extensivo do método A3, prática pioneira da Toyota, na qual a análise e a solução de problemas e o desenvolvimento de projetos são feitos com base num método científico desenvolvido numa única folha de papel, no formato A3.

Tais práticas ajudam a criar um ambiente de desafios, respeito e aprendizado permanentes, contribuindo assim para a retenção do pessoal, minimizando o efeito de desligamento de pessoas – já que muitas empresas preferem buscar no mercado de trabalho as pessoas de que necessitam em parte devido a sua fragilidade no desenvolvimento interno de seus colaboradores.

Em resumo, é perfeitamente possível, com o Sistema Lean, aumentar o volume de produção com menor quantidade de mão-de-obra. Principalmente, em eventuais expansões, cujas novas instalações forem pensadas e planejadas para serem Lean desde sua concepção – dessa forma, elas provavelmente exigirão menos pessoas.

É claro que atual quadro de carência de gente para ocupar posições em um mercado de trabalho aquecido pode ser gradualmente resolvido por acomodações e ajustes macroeconômicos. Mas as empresas não precisam esperar pelas medidas governamentais ou por mudanças macroeconômicas. As contramedidas Lean podem, por si só, fazer a empresa aumentar sua produção sem, necessariamente, ter de contratar mais pessoal. Na verdade, para boa parte das empresas, só "precisa-se" de ser mais Lean.

*José Roberto Ferro é Presidente do Lean Institute Brasil (www.lean.org.br), entidade sem fins lucrativos criada para disseminar no Brasil o Sistema Lean inspirado no Modelo Toyota; é "Senior Advisor" do Lean Enterprise Institute, dos EUA, e membro do Board da Lean Global Network (LGN).

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